O senhor tremia das pernas.
Só reparei nele quando gesticulou num momento de desespero, em câmara lenta. Pensei: nem a barba mal feita me fez reparar nele.
Estava no café eu, e ele também, a ler o jornal; ele estava duas mesas à minha frente.
Movimentos lentos expressavam a minha confiança, quase como o gesto do senhor. Mas, o senhor era velho!
Ele gesticulou pelo jornal de café, que outra pessoa acabara de ler. Eu não… eu tinha o meu próprio jornal, um daqueles de referência. Ele esperou, paciente e lento, que a pessoa acabasse de ler o jornal. E, gesticulou!
Eu só gesticulava a mudança de página, de forma estrategicamente pensada.
O senhor tremia das pernas! Como que cada passo sendo o último… foi buscar o jornal.
Mais tarde, o senhor comia uma sopa. Voltei a reparar nele e pensei: uma sopa!
Eu comi uma sopa também. Só que o senhor, aquele que tremia das pernas, fazia muito barulho a comer a sopa. Puxava com toda a força a sopa da colher, como se fosse a última. Eu não… eu sei sorver a sopa da colher. Sem fazer barulho, num movimento lento. Com confiança!
O senhor olhou para mim. Com uma serenidade que é impossível forçar, ou imitar. A barba mal feita fez-me lembrar um gesticular de desespero. O senhor que tremia das pernas olhou-me.
O senhor era velho. Levantou-se da cadeira e permaneceu em pé, estático. Como que pensando em cada passo que iria dar, como que pensando que algum deles poderia ser o último.
Eu comia a sopa da forma que as pessoas devem comê-la. Eu sorvia a sopa, e então levantei a tigela e pensei: não se deve levantar a tigela; as pessoas que sabem comer não levantam a tigela! Quando terminei, e estava lá o senhor parado, esqueci onde se deixa a colher… A colher deixa-se dentro ou fora da tigela? Vacilei, mas os meus movimentos eram sóbrios. Eu não sou daqueles que fico parado quando me levanto, sem saber onde ir…
O senhor, que olhava em redor da sua mesa, seguiu. Com a mesma serenidade com que me olhara, e com que ficara parado, tempos eternos, dava passo a passo. Lento… lento e velho, o senhor!
O guarda-chuva! O senhor tinha-se esquecido, algures, do guarda-chuva; e trazia-o na mão. Encontrou-o e soube voltar!
O senhor olhou em redor, sentado, em paz.
Eu tive que me levantar; e num momento de desespero sai do café. Não me lembro para onde fui…