Confronto

Duas vozes - duas visoes...
Diversidade de opinioes com direito de resposta...

segunda-feira, novembro 27, 2006

As metáforas

As metáforas, a espera, as indirectas, as surpresas, os risos inesperados
as ideias, as recordações
esqueci-me e revejo-me, incessante
colado, aqui, à escrita (a mais nada!)
Será que sou sempre assim, igual? eu? qual eu, quanto de mim desejou ser diferente?
mas eu sou Diferente.
Exaltações, a pressa, e perco-me!
por quem? não fui eu que me prometi ser diferente da última vez, anterior à passada?
a dúvida, entediada até ao momento em que não há mais escolha - quando essa escolha (e daquela vez, e da outra?)
A dor, que dor, aquela outra, a mesma de sempre.
adeus, cá fico, preso ali dentro!!

domingo, novembro 19, 2006

Vozes do meu país

Sois vós, vozes do meu país, que trazeis lembranças de mim, do que sou e não do que pareço. Revelam-se em mim os pedaços perdidos, esquecidos da minha voz, dos meus gestos. A língua portuguesa traz com ela o alento da capacidade de expressão. Sou mais Eu quando falo a minha língua.

“A minha pátria é a língua portuguesa.”
Fernando Pessoa

domingo, novembro 05, 2006

Está nas palavras

Se o senhor tremia ou não das pernas... isso é algo que verdadeiramente não me interessa. Interessa-me mais o “tremer das pernas” enquanto expressão de gesto vulgar, de pequeno pedaço de vida, das coisas que vejo, consumo e esqueço como se de “fast-food” se tratasse. Ninguém repara no padrão que as pequenas sementes de sésamo podem formar num pedaço de pão, mas elas estão lá e a simples constatação da sua vulgaridade, por palavras, é em si mesmo algo novo. Há algo de metafísico nelas? Ou no “tremer das pernas”? Não sei. Nem sei se há metáfora possível para estas palavras. Mas a verdade é que o deleite que as palavras proporcionam (ou podem proporcionar) vale por si só... E pouco interessa se é o copo de leite que adoça o senhor ou vice-versa – embora fique satisfeito se alguém se deixa adoçar por um copo de leite... Soa melhor que a amargura cinzenta de alguém mergulhado na intensa actividade de pôr açucar no leite...

Eu prefiro as palavras.
E a minha leitura delas. Seja ela qual for. Nem que seja apenas um sorriso de satisfação por um momento simples que qualquer um poderia ter testemunhado.

quinta-feira, novembro 02, 2006

O senhor tremia das penas

O senhor tremia das pernas.
Só reparei nele quando gesticulou num momento de desespero, em câmara lenta. Pensei: nem a barba mal feita me fez reparar nele.
Estava no café eu, e ele também, a ler o jornal; ele estava duas mesas à minha frente.
Movimentos lentos expressavam a minha confiança, quase como o gesto do senhor. Mas, o senhor era velho!
Ele gesticulou pelo jornal de café, que outra pessoa acabara de ler. Eu não… eu tinha o meu próprio jornal, um daqueles de referência. Ele esperou, paciente e lento, que a pessoa acabasse de ler o jornal. E, gesticulou!
Eu só gesticulava a mudança de página, de forma estrategicamente pensada.
O senhor tremia das pernas! Como que cada passo sendo o último… foi buscar o jornal.
Mais tarde, o senhor comia uma sopa. Voltei a reparar nele e pensei: uma sopa!
Eu comi uma sopa também. Só que o senhor, aquele que tremia das pernas, fazia muito barulho a comer a sopa. Puxava com toda a força a sopa da colher, como se fosse a última. Eu não… eu sei sorver a sopa da colher. Sem fazer barulho, num movimento lento. Com confiança!
O senhor olhou para mim. Com uma serenidade que é impossível forçar, ou imitar. A barba mal feita fez-me lembrar um gesticular de desespero. O senhor que tremia das pernas olhou-me.
O senhor era velho. Levantou-se da cadeira e permaneceu em pé, estático. Como que pensando em cada passo que iria dar, como que pensando que algum deles poderia ser o último.
Eu comia a sopa da forma que as pessoas devem comê-la. Eu sorvia a sopa, e então levantei a tigela e pensei: não se deve levantar a tigela; as pessoas que sabem comer não levantam a tigela! Quando terminei, e estava lá o senhor parado, esqueci onde se deixa a colher… A colher deixa-se dentro ou fora da tigela? Vacilei, mas os meus movimentos eram sóbrios. Eu não sou daqueles que fico parado quando me levanto, sem saber onde ir…
O senhor, que olhava em redor da sua mesa, seguiu. Com a mesma serenidade com que me olhara, e com que ficara parado, tempos eternos, dava passo a passo. Lento… lento e velho, o senhor!
O guarda-chuva! O senhor tinha-se esquecido, algures, do guarda-chuva; e trazia-o na mão. Encontrou-o e soube voltar!
O senhor olhou em redor, sentado, em paz.
Eu tive que me levantar; e num momento de desespero sai do café. Não me lembro para onde fui…